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Querido público.

abril 5, 2010

Quando se dá o último gesto e se profere a última palavra que encerra o desfecho, as luzes se apagam na mesma velocidade que os meus músculos congelam, a respiração pára e o olhar já não vê o que há pela frente. Em frações de instantes o som das palmas, que logo viram aplausos, irrompe aos ouvidos como a mais deliciosa melodia. A cortina cerra lentamente e, antes que ela volte a abrir e as luzes acenderem, tenho algo em torno de dois ou três segundos para me recompor, desvestir o personagem e encarar, desta vez com meu verdadeiro rosto, a platéia. E este som dos aplausos, das saudações, do calor e reconhecimento é algo que sem dúvida me faz continuar.

Contudo, engana-se quem pensa que esta é a maior recompensa que o artista pode receber.
Quando as cortinas abrem-se novamente e encaro a platéia efusiva, aplaudindo de pé, interesso-me por aquele raro indivíduo sentado e encolhido que mal bate palmas. Uma mão está grudada no apoio de braços, a outra está sutilmente na frente do queixo, com os punhos cerrados apertando um pedaço de qualquer coisa que não existe. A boca um pouco entreaberta não se mexe; os olhos me encaram em cima do palco, mas é como que se eles enxergassem além de mim; os ombros estão caídos, como se faltasse estrutura e força; na garganta quase que se pode ver um nó se formando; o semblante expressa uma inexplicável indeterminação. Este indivíduo me interessa.

Sei que ele me priva de seus aplausos, não por descontentamento, mas por incapacidade. Sei que ele foi plenamente atingido pela peça e que em seu corpo ainda corre a ressonância da apresentação. Sei que cada parte da sua pele ainda sente, foi atravessada e que dentro dele as estruturas sentiram o impacto do texto, do som, das luzes, a explosão de cores, o ato cênico. Sei que os três segundos que a cortina ofereceu de brecha entre a ilusão e a realidade não foram o suficiente para ele se desvestir do seu papel de platéia para o papel de admirador. Aquele homem sentado, sem ação, não bate palmas porque ainda é platéia da peça que não saiu da sua carne.

Esta, querido público, é a maior recompensa.

4 Comentários leave one →
  1. ausato permalink
    abril 7, 2010 12:44 am

    vc está melhorando!
    gostei bastante desse, mas foi muito curto!

  2. Iana permalink
    abril 26, 2010 9:33 pm

    Caramba, Limão!
    Se eu fosse atriz, acho que sorriria mais do que sorri lendo seu texto!

    :]

  3. maio 9, 2010 11:32 pm

    tá na hora de atualizar né?fais mais de meis…

  4. otavionagano permalink*
    maio 11, 2010 10:37 am

    esse vidão de gente grande consome. Mais que a fau!

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