Pular para o conteúdo

A insônia que faria o café da manhã de Irandhir Santos descer como se fosse fígado acebolado.

maio 19, 2010
tags:

Foi no esforço de não pensar em nada, enquanto observava deitado na cama as luzes que entravam pela fresta da janela e batiam direto no teto, escorrendo por ele a medida que passavam carros pela rua (uma forma sofisticada de contar carneiros pulando a cerca), que Irandhir se pegou ensaiando pela oitava ou décima vez outra conversa com Ela.

Irandhir era desses homens que viviam a beira de desabar pelo sono. Caminhoneiro de profissão e opção, tinha pouco tempo pra tudo. Pouco tempo para cumprir os prazos, pouco tempo para realizar as entregas, pouco tempo para comer, pouco tempo para se divertir, pouco tempo para a cerveja, pouco tempo para suas vontades, pouco tempo para conversas, pouco tempo para ter vontades, pouco tempo para ter amigos, pouco tempo para ter mulheres, pouco tempo para o mundo que não o do asfalto e, por fim, pouco tempo para o seu sono. A única coisa que tinha com larga certeza, era sua prória companhia.

O problema de Irandhir era que quando podia dormir, não conseguia. Os médicos culpavam o estresse. Irandhir, pobre diabo, que de estressado não tinha absolutamente nada, conformava-se  que sua situação simplesmente não tinha jeito.

Com tanto sono acumulado, mas que não vingava numa noite bem dormida, Irandhir desenvolveu uma curioso hábito de sonhar por conta própria. E por isso lá estava ele deitado num hotel barato de estrada, olhando as luzes dançando no teto, sem nem ao menos ter tirado os sapatos, numa cama sem lençóis que cheirava a mofo.

Ela não lhe saía da cabeça. Ela sufocava o seu sono e tomava conta de sua consciência, tomava conta da sua imaginação. Irandhir, sem se dar conta, ensaiava diversas conversas, diversas situações com Ela, mas esses ensaios acabavam sempre da mesma forma que ocorria na realidade. Sem fim algum, sem desfecho. Nem fracasso nem répiendi. Sempre um…vir a ser.

Nem mesmo a imaginação dele era capaz de desemaranhar a sua situação com Ela. Na realidade esse é o ponto. Por mais que ele tentasse se enganar, sabia que não existia uma “situação”. Por isso, toda vez que imaginava, era ele tentando resolver algo que para Ela não era nem uma questão. A “situação”, para Ela, nem existia. Irandhir era imbatível para qualquer estrada, para qualquer carga, qualquer tempestade ou sol de derreter os miolos. Só não podia com Ela.

(Outro carro passa lá fora e a luz no teto o trás de volta pro quarto)

O que Irandhir queria era saber falar bem, falar bonito. Queria saber ser interessante. Ele queria saber sobre Ela. Seria o suficiente. Vontade de conhecer. Era isso que tinha. Por mais que se esforçasse, os raros momentos que voltava pra sua terra eram poucos e ele nem sabia se Ela sabia o seu nome.

– Me vê uma cerveja e um tanto desse amendoim – era a única frase que trocava com ela sem titubear. Era a única frase que pensava naquele torpor de sonho sem sono.

De que serve a imaginação se ela não te transcende? Não te transforma naquilo que gostaria de ser?
 Irandhir percebeu que até a imaginação podia ser covarde. Deitado na cama o que Irandhir fazia era remoer as coisas. Tudo não passava de uma insegurança disfarçada de insônia. Eram tantas coisas que ele gostaria de falar que seria necessário uma vida, não uma conversa. Na verdade ele queria ter uma conversa sem palavras. Aparentemente elas costumavam atrapalhar.

Outro carro passa lá fora. Irandhir acha melhor pensar em café da manhã.

No comments yet

Deixe um comentário