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Sangue.

fevereiro 10, 2010
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Quando se cortou, seu primeiro reflexo foi contrair os braços trazendo a mão para perto do corpo. Olhou para o seu dedo anular, logo depois para as folhas mal-intencionadas-e-traiçoeiras em cima da mesa. Com o polegar e o indicador da outra mão pressionou o dedo cortado de maneira que pode ver claramente o corte se abrindo e fechando, respirando no meio da carne fofa da ponta do seu dedo. Com uma espécie de fascínio continuou naquele gesto que lhe causava dor. Achava estranho que não sangrasse. Pressionou com mais força.

Lembrou de uma antiga crença que diz que no dedo anular há uma veia que vai direto para o coração sem ramificações, daí que teria vindo a tradição de se colocar o anel de casamento neste dedo. Como se isso tivesse algo de mais, pensou.

Por fim um filete de sangue emergiu e escapou pelo corte. Ficou olhando como ele escorria. Já não era mais ele, o sangue. Uma vez fora, o sangue já não faz parte de nós, é um estranho, é só um líquido espesso, salgado, vermelho. Naquele instante pensou que todo corpo dependia daquilo que saía por aquela fenda de 2 milímetros. Que aquele líquido corria em todos seus órgãos e mantinha tudo funcionando, inclusive seus pensamentos inúteis. Era difícil acreditar que entre seus irmãos corria este mesmo sangue com características semelhantemente únicas herdadas de seus pais. Aquele fio vermelho desenhado do corte até a palma da sua mão esquerda não podia representar tanta coisa. Parecia tão… algo sem muita…expressão.

Olhou de novo as folhas de papel que agora não estavam mais mal-intencionadas-e-traiçoeiras, e sim empilhadas-e-burocráticas com o nome do seu filho nelas. Devia reler esses papeis e encaminhar o processo, apelar para a lei, exigir a punição. Não importava o quanto sua mulher lhe suplicasse pelo contrário, pelo bem da família, pelos netos que viriam, pelo seu instinto paterno, por o que quer que fosse possível. Já estava decidido – não corre sangue na justiça –  é o que ele dizia.

4 Comentários leave one →
  1. ana permalink
    março 3, 2010 2:34 pm

    Posso usar esse texto como corpus de sintaxe?

  2. otavionagano permalink*
    março 4, 2010 11:30 am

    O que é um corpus de sintaxe?

  3. ausato permalink
    março 11, 2010 11:46 pm

    volllllllllllta!

  4. Iana permalink
    maio 15, 2010 2:41 am

    Tenho uma outra versão sobre aliança no dedo anelar! Quando nos encontrarmos te conto.
    E acho incrível como suas descrições são tão vivas.
    Beijoca de jejum.

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