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Bang, Bang!

dezembro 18, 2009

Instruções: a leitura seguinte possui duas sugestões de acompanhamento sonoro. O inconveniente é que apenas a segunda opção dura toda leitura. Na primeira, é necessário reiniciar a música quando ela acabar.

Cada sugestão leva a uma leitura diferente do texto, imprimindo diferentes experiências. Escolha e bom apetite.

Primeira: trilha sonora por Arcade Fire. My body is a cage.
http://www.youtube.com/watch?v=Pyp34v6Lmcc

Segunda: trilha sonora de Kill Bill. Don’t let me be misunderstood.
http://www.youtube.com/watch?v=iEivAFDV0ic

 

Bang, bang!

Restavam apenas duas balas na Colt 45.

O que vão contar sobre essa história eu não sei dizer. Isso, se sair alguém vivo daqui. Nunca há muita justiça nesses casos. Não é incomum prevalecer a versão do mais covarde, aquele que se escondeu e sobreviveu.

                                                                                               *

Quem disparou o primeiro tiro não se sabe. Mas assim começou. Ele veio da entrada, e pelo som, provavelmente de uma Magnum 44. O que significava que não foi por parte de um de nós. A bala atravessou o salão, passando pelas cabeças de alce penduradas na parede, e morreu no ombro de um pobre diabo que foi ao chão espalhando cerveja pela mesa. Antes que o seu grito alcançasse a outra metade do bar, todos meus homens já estavam levantados com as armas sacadas, apontando indecisos sem saber para quem.

Nós só usávamos Colt, era uma filosofia. Levantaram algumas outras pistolas que não eram nossas, mas do mesmo modo ficaram encarando um inimigo invisível. O caso é que o homem baleado não era um dos meus. E pela indignação no rosto daqueles homens confusos, deveria ser um dos deles. O que significava que quem disparou o tiro continuava à espreita.

Uma porção de pessoas permaneceu em seus bancos, paralisadas, com as mãos para cima. Ninguém ousava respirar. Contei vinte e três pistolas erguidas e dois Winchesters. Éramos doze. O outro bando dez. Haviam cavalheiros às mesas, de todas idades, algumas putas de vestidos longos e decotes vastos, figuras conhecidas, com o rosto tomado pelo medo. Dois garçons imóveis por entre as mesas, com as bandejas ainda em mãos que refletiam a luz amarelada dos lustres. O espelho empoeirado atrás do balcão, fazia o salão maior do que realmente era.

Estávamos no meio de um fogo cruzado, era o que parecia. Precisava tirar os meus homem dali. Percebi um movimento estranho por baixo de uma das mesas. Um grupo de senhores bem vestidos, bigodes e cartolas. Foi muito rápido.

Não sei dizer quando. Num instante o salão estava tomado de balas atravessando o ar, acertando os lustres suspensos no teto, atingindo quadros na parede com a mesma violência que abatiam aqueles que tentavam fugir. Já não havia ninguém sentado. Ou já estavam mortos no chão ou tentavam chegar à saída. O cheiro de sangue e cerveja subia às narinas. O espelho estilhaçado deixava o cenário mais caótico do realmente era. Não se sabia da onde vinha o tiro. Os gritos se confundiam com o som dos disparos.

As mesas viraram escudos. Não sabia quanto dos meus ainda estavam em pé. Os homens de cartola dominaram a saída, era um suicídio tentar passar por ali. Atiravam sem distinção. Nós estávamos espalhados pelo bar e o outro grupo estava mais ao fundo. Mas percebi, que ambos atiravam em nós, mas se poupavam. Não era um fogo cruzado. Era uma emboscada! Aquele primeiro homem devia ser um inocente qualquer. Foi tudo uma armadilha.

Vi dois dos meus com a cabeça estourada no chão. Devíamos ser dez agora. Os outros, juntos, somavam dezessete pelo que consegui contar, mas provavelmente já tinham alguns mortos. Estávamos desarticulados. As balas não cessavam por cima da minha cabeça. Um tiro de espingarda arrebentou a mesa que me protegia, rolei para trás do balcão seguido de um companheiro. Encontramos mais três dos nossos amparados ali. Precisava mapear o local e retomar o controle. Era uma questão de estratégia. Cada um dos meus homens valia por dois, isso eu sabia. Os filhos da puta se movimentavam e ganhavam espaço. Avançavam para o balcão.

Com a minha 45 no braço esquerdo e a e 38 no direito fui em direção a saída, iria tomá-la à força. Levantei-me com elegância, no intervalo de recarga do oponente. Eram cinco ali. Finalmente vi um deles empunhando a Magnum que começara com tudo. Este foi o primeiro. Um tiro de 23m, em cheio no pescoço. Esgueirando pelos pilares de madeira, e cadenciando as recargas de bala, fui derrubando um a um. Recuaram, Já foram três. Os meus homens me davam cobertura, protegendo-me dos tiros que vinham do fundo do salão. O quarto estava nas escadas. Gastei quatro balas nele.

O último se escondeu agachado atrás de uma mesa derrubada. Corri em direção às costas dela, de tal forma que ficamos lado a lado, separados por aquela única camada de madeira, um de costas para o outro. Ele atirou diretamente por ela. Um, dois três tiros, perfuraram cegamente a mesa passando longe de mim, mas pela trajetória das balas pude calcular onde estava. Bastou um tiro em resposta, atravessando a mesa, a carne, os ossos, a vida e a altiva vestimenta preta que usava. A saída era nossa.

Precisava arrastar meus homens para lá. Repus minhas balas. Ouvi alguns gritos familiares. O bando do fundo chegara ao balcão, eles eram em maior número. Foi uma carnificina, mataram todos ali. Então, naquele momento, não importava mais fugir. Só pensava em acabar com cada homem em pé daquele bar.

Existem momentos que você sabe estar fazendo parte da história. Pude imaginar as pessoas da cidade contando esse episódio, elegendo quem seria o bandido e quem seria o mocinho. O título pouco importava.

Ia ser épico.

Atirava com os dois braços ao mesmo tempo, em direção ao fundo. Vi um companheiro avançando com a mesma fúria. Certamente também queria virar lenda.
Acreditei que éramos só nós dois naquele momento. Não errei no cálculo. Chegamos a parte central do salão. Eles atiravam do balcão agora. Cada um foi para um lado. Eles eram seis. Cinco. Quatro. Com um tiro numa garrafa que se estilhaçou, ceguei um quinto. Com outro tiro certeiro, meu companheiro deu cabo a ele. Três contra dois. Procurei ganhar espaço. Avancei, sempre girando nos pilares. Um tiro encontrou minha costela direita. De raspão. Sangue, e dessa vez era o meu. Mais uma rajada da Winchester 22. Não precisei olhar para saber que tinha perdido meu último homem. Agora eles se escondiam, economizando tiros. Estavam mais cautelosos.
Três contra um. Fiquei sem balas na 38. Procurei mais munição. Nada. Como me descuidei?

Eu não tinha muitas chances.
Aprendi que um pistoleiro sempre guarda uma bala para si. Que a morte, quando inevitável, deveria vir de sua própria arma. Ela protege sua honra. Não havia melhor jeito de morrer do que pela minha 45.
Mas não havia coisa pior do que poupar esses três covardes. Podia ouvir eles recarregando as armas do lado de lá. Podia respirar o medo deles.

Restavam apenas duas balas na Colt 45.

                                                                                          *

Não parava de sangrar. Respirei. Será que eles sabiam por que atiravam em mim? Será que um dia eu saberia? Não me importava mais.
Um giro, fico de frente ao balcão, grito por eles, engatilho, levantam em resposta, prontos para atirar, prevejo o movimento deles pelo espelho.

Disparo. Bang, bang! A história me espera.

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  1. otavionagano permalink*
    dezembro 18, 2009 4:44 pm

    Nota:
    Originalmente, escrevi o texto pensando na música Bang, Bang, de Nancy Sinatra, ou na versão dos Rancouters dessa mesma canção.

    Mas no final, achei que as duas outras opções cairam melhor. De qualquer forma, fica aí uma curiosidade e a explicação do título.

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